Se você é um conservador, você acha que um cidadão não tem o direito de contratar outro para matá-lo (muito menos para matar um terceiro), porque a vida é um dom sagrado que não pode ser negociado. Mas, para o liberal, nada existe de mais sagrado que o direito de comprar e vender – a própria vida inclusive: se você acha que sua vida está um saco e quer contratar um profissional para dar cabo dela, nem o Estado nem a Igreja têm o direito de dar nisso o menor palpite. Já se quem está enchendo o saco é o seu bebê anencéfalo, a sua avó senil ou o seu tio esquizofrênico, eles não têm capacidade contratante, mas você tem: caso tenha também o dinheiro para pagar uma injeção letal e o enfermeiro para aplicá-la, nada poderá impedir que os três chatos sejam retirados do mercado mediante os serviços desse profissional. Curiosamente, não conheço um só liberal que atine com a identidade essencial de contratar um enfermeiro para dar uma injeção nos desgraçados, um pistoleiro para lhes estourar os miolos ou uma motoniveladora para reduzi-los ao estado bidimensional. Quando dizem que consideram a primeira alternativa mais “humana”, não percebem que estão apelando a um argumento conservador e limitando abominavelmente a liberdade de mercado.
Este artigo de Olavo de Carvalho deu bastante o que falar pela internet. De fato, ele parece-se, à primeira vista, de uma incoerência sem tamanho, visto o fato de que o autor é um defensor e propugnador conhecido do liberalismo político-econômico. Mas a questão explica-se:
Para entender o texto, é necessário compreender o sentido dos termos usados por Olavo. E, ao leitor mais atento, ficou claro que o que o filósofo denomina aí de “liberais”, na realidade, aplica-se apenas a um restrito grupo de adeptos do liberalismo: são os liberais economicistas, aqueles para os quais a liberdade de mercado é o valor supremo a ser defendido. Para estes, nada mais sagrado do que a propriedade privada, a liberdade de contratar, bem como nada mais abominável do que os impostos e restrições legais. Definitivamente, não estou entre estes.
E por “conservadores”, o Olavo denomina não aqueles adeptos de uma rígida ordem imutável, aqueles ranhetas avessos à quaisquer inovações, ainda que para isso tenham de lançar mão de métodos autoritários. Ele fala dos conservadores que entendem que a liberdade econômica é parte da liberdade humana, e só bem funciona quando fundamentada em valores maiores de dignidade humana e respeito ao próximo. São os liberais-conservadores, aos quais me incluo.
Dito isto, creio que o artigo está esclarecido.
Dito isto, creio que o artigo está esclarecido.
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